sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Entrevista: Soninha, candidata à Prefeitura de SP pelo PPS

Sem rodeios, direta. Para um político tradicional, isso atrapalharia a carreira. Mas para a vereadora de São Paulo e apresentadora de TV Soninha Francine, que acaba de se filiar ao PPS, essas características fazem a diferença. Dão a ela um ar despojado, uma abertura maior no contato com o cidadão, coisa rara no atual cenário político.

Soninha também não demonstra apego ao poder, principal ponto de partida para a degradação de costumes e ideais. Aceitou disputar a prefeitura de São Paulo pelo PPS, mesmo acreditando estar entrando na disputa com poucas chances. E por que? Porque quer ser útil, responde.

Num país onde apenas 11% da população acredita nos políticos, a simplicidade de ser "útil" é uma grande vantagem. Afinal, o vereador, o prefeito, o deputado, o governador, o senador, o presidente, todos eles, são servidores públicos, fato na maioria das vezes esquecido, eleição após eleição.

Soninha não é daqueles que cansou, muito menos do time dos que "sempre foi assim". Ela acredita na capacidade de mudança por meio da política, no fazer a diferença. Preza a independência e, o mais importante, tem tesão no que faz. "É preciso dar motivo às pessoas voltarem a acreditar na política", diz.

Nesta entrevista ao Portal do PPS ela fala sobre os motivos do ingresso no partido, de sua candidatura a prefeita, de seus projetos para São Paulo, da saída do PT, da relação com o governador José Serra e, principalmente, de sua visão do que é a atuação política. E, nesse ponto, direta e simples, resume o que parece impossível de se colocar na cabeça de muitos dos figurões da política brasileira. Ao ser questionada sobre a fidelidade partidária, responde na bucha: "Acho que os partidos precisam ser fiéis a si mesmos, para começar".

Conversar com Soninha é diferente de uma entrevista normal com um político. É como assistir o atacante Kerlon do Cruzeiro fazendo embaixadinha de cabeça, na frente do zagueiro, sem medo de levar porrada. Uma demonstração de que "foca", mesmo na disputa política, sabe driblar.

Portal – O que pesou na escolha do PPS como partido a ingressar depois de uma longa temporada no PT?
Soninha – Desde a primeira abordagem eles (dirigentes do partido) fizeram uma proposta muito sedutora pra mim que é a garantia de independência. A frase que eu ouvi era, literalmente, venha ser independente com a gente porque a maior dificuldade em qualquer lugar em que eu estiver é de ser obrigada a defender o que eu não acredito, entendeu? Ou de ser obrigada a me opor ao que eu concordo. Eu vejo que, muitas vezes, num partido é isso que esperam de você: que você deixe uma parte de suas convicções na chapelaria, na entrada e ai, em nome de um projeto maior para daqui a dois anos, você vota contra uma proposta que, em princípio, você seria favorável, sabe? Então, me conhecendo muito bem, porque acompanharam esse meu tempo aqui de mandato na Câmara, disseram que o que em outros lugares seria problema, no PPS, seria muito bem vindo porque a idéia é debater, a idéia é ter posições claras, forte. É de problemas como você que a gente precisa. Achei muito legal.

Portal - Que problemas?
Soninha - Da parte do próprio presidente do partido, numa coisa já mais específica, dizendo o quanto ele acha que algumas posições que defendo são muita caras ao partido, muito importante, uma discussão mais progressista de alguns temas polêmicos como drogas e aborto. Ele disse que ninguém no partido é obrigado a concordar com isso, ou seja, provando aquilo que me prometeram: que as pessoas têm o direito de ter idéias diferentes. Mas que a posição do partido é a favor da descriminalização do aborto, por exemplo. Então, sabendo que eu não fujo de temas controvertidos porque isso pode pegar mal pra mim ou coisa parecida, que é uma qualidade que eles desejavam ter com eles. Muito legal. A conversa nem começaria, caso não tivesse socialista no nome. Claro que eu só cogitaria entrar num partido que fosse de esquerda, para começar. Ai, finalmente, o que foi decidido foi a proposta de disputar a prefeitura de São Paulo e poder colocar nossos temas, fazendo nosso debate, com uma outra linguagem, com outro formato, diferente das outras campanhas.

Portal - Você vem afirmando que entra com poucas chances na disputa pela prefeitura paulistana. Para quê disputar?
Soninha - Na verdade, ver pouca chance é só uma análise realista. Não é um desejo. É claro que eu vou disputar como se eu pudesse ser a prefeita. E se eu ganhar a eleição? Ótimo! Não é como em algumas eleições que as pessoas entram para marcar posições, apenas para fazer o nome, pensando numa outra disputa daqui a dois anos. Entro para disputar e a disputa tem um grande valor em si. É diferente de você ter obsessão para vitória. É claro que disputo uma eleição querendo ganhar, não tenha dúvida. Mas a obsessão pela vitória leva a uma porção de escolhas erradas já na campanha eleitoral porque você já fica pensando que para viabilizar seu nome você precisa dessa aliança, desse reduto, precisa desse campo. Então, você vai agregando várias coisas a sua campanha só para ganhar e você vai diluindo sua proposta, você vai perdendo identidade. Vai deixando as coisas meio confusas. Essa é que é a diferença. Eu já me vejo com um puta tesão assim nos próximos meses, discutindo programa de governo.

Portal – A decisão em disputar um mandato no executivo tem alguma relação com fato de não você não ter conseguido implementar várias de suas idéias no legislativo?
Soninha – Mais ou menos. Algumas coisas eu não conseguiria fazer no legislativo porque não são da nossa alçada. Não é uma frustração pessoal. São atribuições diferentes. Eu amei esse tempo que eu tive e que eu ainda tenho aqui como parlamentar, com tudo que teve de sacrificante e frustrante. É sensacional essa experiência de ser parlamentar na Câmara Municipal de São Paulo, apesar de tudo o que me queixei e ainda vou me queixar até o fim do mandato. A frustração é inevitável e, às vezes, é surpreedente. Mas é diferente. O executivo tem um raio de ação maior, mais direto, mais palpável. Muita coisa que a gente consegue aprovar no Legislativo, através de projeto de lei ou de inclusão no orçamento, quem vai agir de fato é a outra esfera. Não é que eu esteja procurando um consolo para uma frustração pessoal. É só vontade de ser útil de uma outra forma e em um outro lugar.

Portal – Levantamento realizado pela Associação dos Magistrados do Brasil aponta que apenas 11% das pessoas acreditam nos políticos. Como fazer para mudar esse quadro?
Soninha – Tem dois problemas sérios ou três, talvez. Vou fazendo a lista, pode ser que aumente o número. O primeiro é que, ao logo dos anos, a política deu muitos motivos para as pessoas desacreditarem nela. Ou por causa de casos de crime, de desvios, de corrupção ou por causa da incoerência, que também tem um grau de desonestidade porque quando você muda de opinião, conforme a posição que você está: governo ou oposição, sabe? As pessoas continuam tendo mil razões para desacreditar na política. Mas não é só isso. Também tem o fato de que só lhes é dado conhecer o lado ruim da política. A pessoas acompanham a política basicamente pela mídia, pela televisão, pelos jornais. E dentro da lógica supercontestada, mas, superconsagrada de que notícia ruim é que é notícia, tudo que as pessoas sabem da política é a parte ruim. Então, fica difícil mesmo elas acreditarem. A gente tem um desafio muito grande. Primeiro, é traduzir política para as pessoas. Num caso de desvio ou de corrupção é muito fácil entender. E ninguém sabe como funcionam as coisas. Você deve explicar o que é e como funciona (a política) para que as pessoas tenham mais instrumentos para avaliar o que é um político bom ou um político ruim.

Portal – Como pré-candidata pelo PPS à prefeitura de São Paulo você pode adiantar qual será a principal bandeira de sua campanha?
Soninha – Eu tenho formação no Magistério. Então quando se faz um plano de curso, por exemplo, começa lá pelos objetivos gerais, os específicos e depois detalha o conteúdo das matérias. No objetivo geral tem tudo a ver com a pergunta anterior que é dar motivo às pessoas voltarem a acreditar na política, na importância dela e acreditar que podem ser bem representadas. É fundamental demonstrar que não se tem um ou, no máximo, dois jeitos de fazer as coisas, de ser político, de defender bandeira, de construir plataforma. É um objetivo que eu acho nada desprezível. Num objetivo mais específico, pensando na cidade de São Paulo, existem vários modelos que a gente precisa rediscutir. Mas têm dois eixos principais, que é o eixo da mobilidade, ou seja, a maneira como as pessoas se deslocam nesse monstro de cidade, da saúde das pessoas, expectativa de vida porque o que você lança no ar de partículas reduz a expectativa de vida da população numa média de três anos. É assombroso, é intolerável. A qualidade de vida das pessoas é muito ruim quando se passam seis horas dentro de um ônibus, todos os dias! Esse eixo da mobilidade é determinante. O outro eixo é o da ocupação da cidade. Você tem o centro com toda a infra-estrutura, teatro, praça, escola, transporte coletivo abundante e onde, cada vez, menos gente mora. Ao mesmo tempo na periferia onde muita gente mora e onde não tem hospital, não tem parque. Você tem que promover a reocupação do centro da cidade e ao, mesmo tempo, gerar o desenvolvimento nesses outros lugares. Numa frase curta é morar perto do trabalho e trabalhar perto de casa. Isso faz uma diferença brutal na vida de milhões de pessoas.

Portal – Você guarda alguma mágoa do PT ou do presidente Lula?
Soninha – Mágoa, não! Jamais usaria a palavra mágoa. Aliás, acho que é um problema sério as pessoas tornarem as coisas pessoais, sentimentais, sabe? Não é que não tenha paixão no que a gente faz. Tive milhões de divergências no PT, alguns quebra-paus mais sérios, às vezes, decepções e incoerências, mas sem mágoas, sem carregar ressentimento. Não vou virar a inimiga número um do PT. Só que vou dar minha batalha num lugar legal.

Portal – É verdade que o bom trânsito junto ao governo estadual tem causado alguma espécie de ciumeira nos tucanos locais?
Soninha – Duas coisas: eu tenho um bom relaciomento pessoal com o (governador José) Serra, por amizade, de palmeirense e completamente à margem da política. E também tenho um bom trânsito com ele na política, o que não quer dizer que não tenhamos nossos embates, nossas divergências e quebra-paus. Quando ele era prefeito, consegui persuadí-lo de vários coisas e tenho isso como uma super-vitória. E não persuadí-lo porque ele é meu amigo, mas porque o convenci da importância de algumas coisas que ele manteve da gestão anterior. E em outras coisas a gente continua absolutamente divergentes. Ele vetou vários projetos de lei de minha autoria. Quanto à ciumeira, tudo é possível, mas não faço idéia. Eu acho até estranho que haja algum ciúme por conta da candidatura porque o que muda para eles nesse primeiro momento?

Portal – Já passou pela cabeça algum dia disputar a presidência da República?
Soninha - Não, de verdade não! Acho que toda criança que já se importou com o mundo, lá pela terceira ou quarta série pensou: se eu fosse presidente da República eu faria isso e aquilo. Mas não consigo imaginar construir um longo caminho para chegar lá. Não é um projeto.

Portal – Vou propor um bate-bola mais rápido. Coloco algumas temas e você me responde mais resumidamente, ok?
Soninha – tá!

Portal - Aborto.
Soninha – Não sou a favor da prática, mas a favor da descriminalização.

Portal – Fidelidade partidária.
Soninha – Acho que os partidos precisam ser fiéis a si mesmo, para começar. O troca-troca utilitarista é imperdóavel, mas algumas trocas são facilmente compreendidas.

Portal – Futuro do jovem.
Soninha – (Risos) É difícil dar uma resposta curta (uma pausa)

Portal – Então pode se estender...
Soninha - Os jovens costumam levar a fama injusta de serem os menos interessados em política. Geralmente comparam os de hoje com os do anos 60 para concluir que aqueles eram engajados e os de hoje são alienados. Acho injusto. Os jovens são os mais interessados, os que mais se perguntam o que eu posso fazer e como. E nos oferecem a idéia de outras forma de organização e de militância. O futuro do jovem é construir cada vez mais outras forma de engajamento e de militância.

(* Por William Passos, do Portal do PPS na Internet)