segunda-feira, 7 de maio de 2007

Opositor de Lula, PPS fará conferência sobre futuro da esquerda

(Mauricio Reimberg, da Carta Maior)

Não é apenas a filiação da cantora e atriz Gretchen que movimenta os filiados do Partido Popular Socialista (PPS), autoproclamado herdeiro do Partido Comunista Brasileiro, fundado em 1922 e que teve como membro mais ilustre Luís Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança.

Um evento planejado para agosto em Brasília homenageia o centenário de nascimento do historiador marxista Caio Prado Júnior (1907-1990), outro dos mais importantes membros do Partidão, entre os anos de 1930 a 1960. Para o evento, o presidente da sigla, Roberto Freire (PE), convidou nomes como Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Jarbas Vasconcelos (PMDB) e Fernando Gabeira (PV).

O PPS é mais um dos partidos de oposição ao governo Lula a promover rearranjos, após o PFL mudar seu nome para Democratas, e o PSDB iniciar um gradual processo de discussão interna. Para isso, a direção aposta as suas fichas na construção da “Conferência Caio Prado Júnior”, um painel de debates no “campo da esquerda”, segundo a agremiação.

“É uma conferência política que pretende contribuir no debate para que a esquerda brasileira tenha capacidade de definir um projeto para o Brasil, definindo-se inclusive como esquerda. Essa é a crise pela qual passa o pensamento progressista em todo mundo”, afirmou o presidente do partido, Roberto Freire à Carta Maior. O PPS rompeu com o governo Lula em 2004, no auge da popularidade do presidente, e apoiou a candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB) na última disputa presidencial.

O que é ser de esquerda

Na conferência, para enfrentar a conjuntura pós-eleição, o partido pretende fixar objetivos e linhas políticas estratégicas e levantar questões como “o que é ser de esquerda hoje”. Temas como meio ambiente, crescimento econômico, desenvolvimento e distribuição de renda devem estar entre as prioridades dos debates.

A organização ainda não previu o número de participantes. Falta definir também a forma de escolha dos delegados. No entanto, o leque de convidados citados por Freire mostra um heterodoxo arco-íris ideológico.

A lista inclui Fernando Henrique Cardoso (PSDB), José Aníbal (PSDB), Fernando Gabeira (PV), Jarbas Vasconcelos (PMDB) e Luiza Erundina (PSB). No plano internacional, também foram convidados os italianos Democratas de Esquerda (DS), sucessores do antigo Partido Comunista Italiano, que se uniram recentemente com os ex-democratas cristãos do Margarida – Democracia e Liberdade (DL), para criar o Partido Democrata. Freire esteve em abril no congresso dos DS que discutiu a fusão e fez um convite formal aos italianos.

A participação é aberta a todos os agrupamentos políticos, mas Freire considera “difícil” a presença de quadros do DEM (PFL). “Filiados do PFL não têm muito a ver com a esquerda brasileira. Não têm nenhuma motivação. Nunca foram de esquerda. Não têm porque discutir”. Já em relação ao PSDB, as perspectivas são diferentes. “É uma esquerda bem mais contemporânea do mundo moderno. Eles têm inclusive mais contribuição a dar para projetos de futuro para o país do que muitos outros setores de esquerda”.

O presidente da sigla refuta a tese de que a iniciativa de promover a conferência seja um esforço do PPS para se aproximar da intelectualidade progressista. ”Não é o objetivo. Até porque hoje a própria intelectualidade está procurando respostas para as suas inquietações. Eu diria que não é se aproximar. É chamar pra que venha discutir e dê a sua contribuição”.

David Zaia, presidente do PPS-SP, também afirma que não é prioritário no partido “reformular” a imagem no curto prazo. “Nem estamos muito preocupados com isso no momento”, garante.

Referência teórica

De acordo com Freire, os familiares de Caio Prado Júnior autorizaram a veiculação do nome do historiador. “Nós entramos em contato com a filha dele, Yolanda Prado. Conversamos. Não tem nenhum problema. Até porque a utilização do nome dele é uma utilização respeitável”, esclarece.

Zaia endossa a opinião de Freire. “Não sei se toda a produção teórica dele está de acordo com a prática política do PPS. Agora, a busca do PPS em retomar uma utopia para atualizar o que é ser de esquerda hoje, e ligar isso com os temas contemporâneos, está de acordo com o que era a preocupação do Caio Prado”, acredita Zaia.

Crise de identidade

Sobre a crise de identidade que veio à tona em alguns partidos após as eleições, Freire avalia que “todos estão buscando discutir seus programas, até porque a crise é geral”, diz. “Você tem o PT no Encontro Nacional falando em refundação, e os partidos da direita que estão no governo também mudaram de nome, como o ex-PL (atual PR)”, lembra Freire. Para ele, o fato do governo Lula ter assimilado algumas bandeiras vinculadas à direita também contribuiu para o atual embaralhamento ideológico no campo da oposição.

Para o professor Jairo Nicolau, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), no caso do PPS também cabe uma explicação histórica. “O PPS se tornou um partido aguado em termos ideológicos. Na década de 90, ele ainda tentou seguir o roteiro dos antigos comunistas italianos, inspirados no eurocomunismo, num partido de esquerda moderno, de viver um pouco em função do carisma do Roberto Freire”, diz.

De acordo com Nicolau, este projeto não se concretizou. “O PPS se autodenomina de esquerda por referência, mas nos últimos 10 anos não tem apresentado uma agenda para o país. Discutir neste parâmetro é uma tentativa de se encontrar neste espaço. Porque o PPS tem esse desafio de passar que ele não quer ser o PT nem o PSDB. Hoje ele está mais próximo de ser um PSDB do que propriamente pra ser o PT”, compara Nicolau.

'Conservadorismo com compaixão'

O PPS deveria seguir o exemplo de David Cameron, o principal líder do Partido Conservador inglês, e adotar a política do “conservadorismo com compaixão”. Pelo menos esta é a sugestão de Jairo Nicolau para os debates internos do partido. “Hoje o discurso na Inglaterra é muito mais do Cameron, tentando trazer os conservadores para essa agenda, com os temas do meio ambiente, desigualdade, solidariedade, o que ele chama lá de conservadorismo com compaixão”.

Assim, acredita Nicolau, o PPS poderia expressar os interesses de uma classe média preocupada com “qualidade de vida”, “questões éticas”, e uma “certa moralidade”. No entanto, Nicolau também enxerga outros obstáculos no caminho do PPS antes de avançar nos debates da conferência.

“Essa fase de crescer por incorporação de dissidentes residuais não pode ser mais estratégia de partido no Brasil, sobretudo agora que o troca-troca está apertando. Se não for por aí, ele vai ficar afogado, esperando um pouco de dissidentes de um partido ou de outro, sobretudo do PSDB. Os partidos vão ter que buscar conquistar quadros novos, outro tipo de rede para poderem ter algum sentido. Senão fica o partido do Roberto Freire e seus amigos”, opina Nicolau.